Foi aí que minha tia chegou, com duas pessoas em seus calcanhares, um moço e uma moça. Fiquei ali observando aquelas personas desconhecidas como se elas tivessem entrado em território proibido como intrusas. Minha tia adiantou-se:
- Olha só como ela ta grande! Cê tinha visto ela quando era bem pequenininha né, tinha só um aninho, e ceis eram bem pequenos né.
Foi a partir daí que se iniciou a troca de cumprimentos e comentários de anos atrás que poderia jurar que eram mentira se eu pudesse me lembrar algo de fato. Mas aí que está o grande ás da história, estava ali sem entender nada, cumprimentando pessoas que não conhecia dizendo que me viram quando eu era bem nova.
Fiquei ali pensando, fones no ouvido, porque esse simples acontecimento casual me incomodava tanto. Não descobri ao certo o porquê, mas reunir parentes longínquos no último dia do ano parece ser algo bem comum e é o único dia no ano todo que todos se tratam como parentes conhecidos de longa data, um pretexto para reunir toda a família e iniciar aqueles comentários de anos e anos atrás sobre coisas que ninguém mais se recorda ou se interessa, só pra jogar conversa fora mesmo, não há nada além pra falar.
O último dia do ano é pretexto pra todo mundo se reunir, para eventualmente se separar. Ir criando esperanças de que tudo vai ser diferente mas ainda assim finalizando sempre da mesma forma. Se os anos fossem de fato diferentes imagino que os finais não seriam da mesma forma todos os anos, mas insistimos sempre em fazer as mesmas coisas por mais que tenhamos nos tornado pessoas diferentes.
Não há nada pra se fazer além de ser nós mesmos, olhava todas aquelas pessoas desconhecidas na casa e ficava no meu canto, não porque fossem más pessoas, mas o contato com elas me irritava e angustiava. Nunca estamos sempre perto das pessoas que estimamos afinal, que passaram os dias próximos de nós e se distanciaram em datas que reúnem pessoas.
Claro que nem todos se vão, uns ficam, alguns fisicamente e outros apenas ali na memória. A gente se lembra do dia a dia e pensa no tanto de coisa que aconteceu que não envolvia acontecimentos de décadas atrás que seus parentes fazem questão de sempre lembrar, e ainda comentar o quanto você cresceu ou está mudado. Conversa fiada sem valor nenhum.
E ali no vazio da consciência a gente tenta automaticamente lembrar de tudo e desejar que aquilo volte, mas é apenas um vazio. O calendário nos proporciona essa nostalgia limitada pelos 365 dias do ano, como se tivéssemos sempre um prazo de fim e renovação. A questão é que o fim e o começo independe dos dias do calendário.
Por isso, eu vos digo que estou começando esse ano pelo fim, justamente pra esperar que o próximo começo seja diferente de tudo que supostamente limitava meu "ano novo" com conversas fiadas de tempos atrás perdidas em diálogos entediantes de lembranças remotas de coisas que já morreram com a gente junto do passado.
Feliz ano novo pra todos que tentam ainda recomeçar do zero a partir da marcação do dia 1 do calendário, criando pretextos de recomeço para iniciar as mudanças prometidas por todo o ano, acúmulos de décadas atrás, talvez os parentes tenham razão afinal. Agora eu realmente desejo um ótimo feliz ano velho, desesperançosa, para todos que também pensam que esse ano novo mascara todos os fins. Enquanto isso a gente fica aqui comendo pratos de comida e olhando pro céu iluminado pelos fogos brindando taças de champagne, esperando que a esperança de que a marcação do 1 no calendário nos empanturre mais que a comida e ascenda uma faísca de renovação não só nos céus, mas sim dentro de nós. Claro que com o álcool fica mais fácil acreditar nisso, aí a função da cerveja, do vinho e do champagne indispensável no fim de ano. Acho bobagem, mas é o que se tem para acreditar.
Andressa Liz
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